Nada mais será como antes. Sentíamos no ar, na pele, nos movimentos bruscos que o vento dava aos galhos das árvores, já quase toscas pelo calor escaldante que se fazia sentir, que logo, logo, a tempestade viria. As nuvens entrelaçavam-se, escuras e ameaçadoras. De repente, o ribombar de um trovão e a água desabou como cachoeira por sobre nós.
Nosso passeio, há dias programado, nem havia começado. O tempo, antes céu claro e límpido, mudou num repente, trazendo mêdo e ansiedade para o grupo de pessoas que gostariam de estar distantes dalí naquele momento.
A chuva tornou-se cada vez mais forte e os relâmpagos riscavam o céu como se fossem bombas aéreas. Estávamos molhados até a alma quando, na busca de um abrigo qualquer encontramos, quase aos pés da montanha, uma caverna. Escura, porém nos acolheria da tempestade.
Entramos e, qual foi nossa surpresa, quando a luz de um lampião iluminou o lugar. Sentado a um canto, estranhamente calmo e sorridente, estava um velho que nos recebeu como se fôssemos seres de outro planeta. Tateando, levantou-se e notamos que ele era cego. Ficamos esperando por suas reações, com nossa chegada e, aos poucos, nosso guia turístico aproximou-se dele, apresentando-se e dizendo das dificuldades por que passamos para encontrar um abrigo.
Sentamo-nos sobre palhas espalhadas pelo chão seco, quando ele começou a falar. Pausadamente, em tom
baixo e suave, recitou uma Ave Maria. Depois no mesmo tom de voz, que mais parecia um susurro, nos disse
que ali estava porque no mundo de hoje, com tanta maldade, egoísmo, orgulhos, paixões desenfreadas e desamor, não havia lugar para ele. Sonhava com outro mundo. Mundo no qual só existiria bondade, amor,
fraternidade, solidariedade, enfim, com um mundo onde as pessoas realmente vivessem como seres humanos.
Tornara-se um ermitão, perdido nos bosques e nas montanhas até encontrar aquele lugar, onde resolvera
viver, alimentando-se frutas silvestres, água pura e cristalina de um riacho próximo e onde poderia fazer
suas orações a Deus e pedir por um mundo melhor. Não para si, disse ele, mas para seus irmãos que tateavam em busca do verdadeiro sentido da vida tentando encontrar na ilusão das drogas, do álcool, do sexo desenfreado e outras mazelas, uma realidade que logo os tornaria seres doentes da alma e do corpo.
Não sentimos o tempo passar. Parecia que estávamos hipnotizados pelo velho Mestre, como assim eu o defini em meu entendimento. Deu-nos exemplos de vida, de amor, de esperança, de bem-viver. Falou-nos de coisas que eu jamais ouvira falar. Dissertou sobre a importância da caridade, do cultivo de hábitos sadios,
de coisas que só o coração sabe e entende, de amor, de reciprocidade afetiva, de Deus e da pátria espiritual
que o esperava, quando de seu desencarne deste planeta denso e complicado pelos próprios homens que o
habitavam.
Alguém de nosso grupo levantou-se e foi observar o tempo, porque havíamos perdido a noção de quantas horas estivemos ali a ouvi-lo. A tempestade havia passado. Agora, havia sol e também haveria a bonança, pensei com meus botões. Despedimo-nos e o velho Mestre beijou-nos a mão, um por um. Abençoou-nos,
desejando um bom regresso a todos. Fiquei emocionada e as lágrimas vieram-me aos olhos. Decididamente,
pelo menos para mim, nada mais seria como antes.
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