sábado, 14 de julho de 2012

JANELAS DA INFÂNCIA



“Pedi à minha filha de oito anos _ Abre uma janela aí, filha.
Esperei.  Disse de novo:
_ Abre uma janela aí, filha.
Esperei novamente.  Quando vi, ela tinha aberto uma janela no 
Google Chrome.
Tenho pensado na diferença da infância dela para a minha. As crianças de hoje em dia não sabem o sabor de uma goiaba colhida do pé, do quanto é bom esperar os ventos de julho chegarem para correr, colher uma 
taquara, afinar ao máximo com uma faca duas ou três varetas, pedir pra mãe um pouco de farinha de trigo misturada com água pro grude, pegar o papel de seda do pão d'água, ajeitar uma camiseta velha para a cola e pedir ao tio, fio do espinhel bem comprido para montar aquela pandorga.

Depois sair pro meio da rua, é isso mesmo, bem no meio da rua de chão batido, se posicionar com o rolo - vidro de álcool - de linha na mão, esperar aquele vento bom chegar e correr, correr com todas as forças, como se fazer aquela pandorga voar alto fosse a coisa mais importante que tivesse que conseguir na vida. Fico pensando em como esta "pequena" brincadeira é hoje tão valiosa, pelo menos pra mim.
Eu ficava horas sentada no chão batido da rua, olhando alto aquele pequeno pedaço de papel com algumas taquaras voando, às vezes quase se perdendo da minha 
vista, e quando perdia ela, eu olhava o céu e ficava ali esquecida do tempo.

Fios? Na minha rua não tinha muitos, dava pra soltar as pandorgas sem problemas. Lembro muito e sinto imensa saudade do espetáculo que os vagalumes – pirilampos, pros de menos idade - davam todas as noites no terreno em frente. Eram tão lindos ! Que bichinho lindo, tchê! Eu sentava em frente à calçada de casa sozinha, só para ver aquele tanto de luzinhas brilhando, e ainda nem era Natal.

Me causa estranheza e preocupação ver minha filha pesquisando e conhecendo em segundos, pela tela do computador, as muralhas da China como vi hoje, sem que pelo menos eu tenha que pegar da  estante do meu avô, um livro enorme daquela enciclopédia antiga - se diz enciclopédia ainda ou está fora de moda? Fazer uma pequena história e entonar uma grande fantasia em cima dessa pesquisa.
A sala do meu avô era de chão de cimento, havia um sofá velho e uma estante que tomava conta de toda uma parede da sala.
Nela havia coleções muito boas e que poucas pessoas tinham na época. Minha mãe nos levava naquela sala e fazia daquilo uma festa. Era um acontecimento meu avô ter todos aqueles livros, como se, hoje em dia, mostrassem para nossas crianças o Tablet mais potente da atualidade. E, na frente da lareira, perto da sala, ele contava as histórias dos livros, ou embaixo da parreira de uva, enquanto nos pedia para ajeitar os raminhos da parreira  que se enrolavam nos galhos.

Todos os dias penso nas nossas brincadeiras no meio da rua, nos dias subindo nas árvores e colhendo pitanga, amora, goiaba, ameixa, limão, laranja e comendo ali mesmo, em cima da árvore.
Minha filha não gosta de goiaba, mal conhece amora, mas amo contar pra ela, enquanto escolho algumas goiabas no mercado, de como era bom subir naquela árvore e escolher nossas próprias frutas, ter que nos equilibrarmos quando chovia, porque goiabeira na chuva fica escorregadia, sabiam?
Sorte ter aquela pitangueira no caminho para a casa da avó dela, onde ela para e colhe aquelas frutinhas faceira, e eu tenho uma baita paciência pra esperar ela colher e comer aquelas pitangas, enquanto os carros voam sem parar no quebra molas que ali tem.
Estes dias,  contei a ela como fazíamos 
pesquisas para os trabalhos da escola.  Depois da sala do meu avô, havia biblioteca em nossa escola e, quando o livro não tinha na escola, íamos na Biblioteca Pública. Você ia lá, pegava seu livro, havia um lugar onde podia sentar e havia, também, um cartaz onde dizia "Silêncio", que era pra poder escolher o livro ou até concluir seu trabalho lá. Hoje em dia não tem tanta importância o silêncio né, existem fones de ouvido.

Enfim, fico um pouco feliz por pelo menos ela ter eu, que posso contar tudo isso como uma história verídica. Já, daqui a uns anos, será tudo contado como uma estória e o sonho de cada criança (a fantasia de cada uma) vai ser olhar pela janela de casa e poder enxergar as luzinhas da natureza, um céu azul e frutas que podiam dar em árvores, imagina! Em um reino muito distante.”


                                Fernanda Bonorino Diatel,
                                           Professora
              Artigo publicado em Zero Hora, de 12/07/2012

17 comentários:

  1. Que lido post!Minha neta também ainda ler só tem 4 anos.
    Mas gosta de falar com o pai e o tio no skype.
    Não sabe escrever ,mas fica mandando os emocions. e digita um monte de letras sem sentindo. Alternando entre o pai e o tio.
    Ou assiste vídeos infantis por horas e horas no yotube.
    Só que eu não conto tantas histórias pois também vivo conectada.
    Um ótimo final de semana.
    Beijos. Edna.

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  2. Paraguassu, o texto da professora Fernanda é sensível, bonito, porém para mim, faz parecer que somente aquela infância que ela viveu é que tem valor, é que foi verdadeira. É fato que nossas crianças hoje, especialmente as das cidades, não sobem em goiabeiras, não fazem cola com farinha, mas continuam sendo crianças com um brilho imenso no olhar. Claro que temos que cuidar qual a um jardim para que sintam a alegria de um amanhecer ensolarado e não acordem já ligando o computador. Existem muitas crianças com uma sensibilidade incrível, que através dos computadores poderão mobilizar pessoas ao redor do mundo, por exemplo, para que chegue água potável em vilarejos africanos, ou levar recursos para escolas aqui no nosso imenso Brasil. Que seja tão linda a infância delas quanto foi a de muitos de nós!
    Abraços

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  3. Amiga Paraguassu, o mundo de hoje oferece uma gama de facilidades e de condições de crescimento às crianças, sobretudo as dos segmentos das classes médias e altas, mas por outro lado, como bem escreve a professora Fernanda, esse mundo moderno retirou a magia que havia no dia-a-dia das crianças do passado...
    Um abração. Tenhas um lindo domingo.

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  4. Os valores nao mudam...pais atentos sabem disso.

    E como diz Guimarães Rosa...

    "No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade."


    Saudades, Poetisa.


    Beijo

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  5. Muito tem mudado nestes últimos anos, a rua já não é segura, o espírito de família esta-se perdendo, os valores quase não são transmitidos, enfim é a nova realidade das vidas, se acho salutar? não, cada um de nós tem de fazer o seu melhor
    beijinhos

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  6. OI amiga querida,

    um belíssimo texto! Uma verdade comovente e emocionante! É a vida! É o preço do avanço tecnológico.
    Ganha-se em alguma coisa que ainda não sabemos o quê e perde-se a essência da infância.

    beijos amiga querida e boa semana para você

    Leila

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  7. Oi Maria, adorei o post!
    Tenha uma linda e maravilhosa semana, bjus!

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  8. Querida Maria
    Que texto espetacular, Vc como sempre dando vida a literatura.Um bom domingo, cheio de paz, saúde e muitas coisas boas para todos nós e uma ótima semana, repleta de ótimas realizações!!!
    Beijinho
    Ana Brisa

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  9. Viajei pela pandorga e pela Barsa... que nostalgia... mas só nos resta escrever sobre esse tempo que jamais retornará... caminhamos a passos largos rumo a um mundo de tecnologias cada vez mais avançado... e não há retorno...
    Hoje mesmo assisti o novo sistema aero/viário futurista que já estão criando, para todas as grandes cidades do mundo. Tudo robótico. Daqui uns 100 anos nada do que vemos e temos hoje será... será sim um mundo totalmente diferente...

    Que bela escolha de texto, Maria, como sempre...
    Um beijo com carinho!

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  10. Oi!
    Vim te visitar a partir de um comentário seu no blog de Ana Paula (http://ladodeforadocoracao.blogspot.com.br/2012/07/propaganda-da-caderneta.html), para esclarecer um engano, sobre Tinas :)
    A Tina que Ana citou no post sou eu e não a Tina, minha xará que seguia meu blog e eu o dela e que deixou saudade e tristeza essa semana com sua partida. Ela, além de Tina como eu, gostava de azul como eu e agora com certeza está lá, no céu todinho azulzinho, brilhando como uma estrelinha do bem.
    Vou passear aqui pelo seu cantinho.
    Prazer, paz e bem!

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  11. BOM DIA AMIGA MARIA QUE MATÉRIA LINDA TÃO VERDADEIRA QUE NOS CONVIDA A VOLTAR A ESTES TEMPOS QUE LONGE VÃO MAS QUE CONTINUAM AQUI EM NOSSA LEMBRANÇA NOS TRAZENDO TANTAS SAUDADES COM AS RECORDAÇÕES QUE GUARDAMOS COM CARINHO LINDO LINDO VIM DEIXAR UM ABRAÇO DESEJANDO UMA SEMANA MUITO ESPECIAL PARA VOCE BJS MARLENE

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  12. Olá Paraguassu,

    Maravilhoso texto, tempo de infância são tesouros preciosos.As crianças estão a perder muito com esse avanço da tecnologia.
    Isso é a evolução!
    Beijos e ótima semana!

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  13. A infância é a fase mais linda e pura da nossa vida! Belíssimo texto!
    Beijos Maria e boa semana.

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  14. Que lindo, Maria!!! Me lembrei da casa de meus pais, do pomar no quintal... parecia que o mundo era aquilo ali... mangueiras, abacateiros, laranjeiras, limoeiros, mamoeiros, goiabeiras, figueiras ... como era bom morar lá!!!!! Mas enfim, a infância de hoje é muito dferente, né? Sinceramente, não sei até onde tanta tecnologia pode ajudar ou não... o tempo, com certeza , hoje corre muito mais rápido, quando se vê já passou um mês, piscamos os olhos e já é Natal... tudo passa muito rápido, a infância se vai também, a passos ligeiros!!!

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  15. Amiga Paraguassú,

    Do que será que as crianças de hoje terão saudades na velhice?
    As tecnologias avançam de uma tal forma que nós nem imaginamos do que elas sentirão falta.
    Acho até que elas sentirão mesmo falta é de nunca terem sido realmente crianças. Quem sabe?...

    Beijão

    Ana

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  16. Querida Paraguassu

    Atualmente as nossas crianças conseguem tudo sem esforco por conta da modernidade dos tablets do mundo tecnológico.
    Os valores que apreendemos na simplicidade das coisas, cabe agora contar a elas para que o essencial não se perca. Resgatar as nossas raízes são preciosidades que não podemos descartar.
    Obrigada pela linda postagem
    Um lindo dia de luz para você.
    Beijos

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